Fortuna Critica

Roupas Sujas na BandNews FM

Leonardo Brasiliense


Por Luiz Paulo Faccioli (escritor e músico)
Recomendação na rádio BandNews FM (Porto Alegre) em 02/06/2018

Para muita gente, quando se fala em literatura sul-rio-grandense está-se referindo àquela vinculada à metade Sul do nosso estado, cenário por excelência de grandes obras gaúchas, a começar por Erico Verissimo e seu monumental "O Tempo e o Vento". Exemplo clássico em que literatura de ficção e história real chegam a se confundir, "O Tempo e o Vento" talvez seja o responsável pelo fenômeno: ao levar tão longe o reconhecimento das nossas letras, de certa forma vinculou nossa produção literária àquele cenário e àqueles personagens. Mas o Rio Grande tem outras culturas. E não estou aqui abrindo caminho para falar de literatura urbana, e sim da literatura rural da metade Norte do estado, que foi colonizada por imigrantes italianos, alemães, poloneses, japoneses, dentre outras nacionalidades. Essa cultura importada de navio do Velho Mundo, e que se amalgamou aqui aos costumes que já existiam na terra dos índios, bugres e dos forasteiros que chegaram antes, produziu pouca literatura até agora, ou pelo menos não tão vistosa quanto a dos irmãos mais meridionais. Temos um bom exemplo na obra de José Clemente Pozenato, cujo "O Quatrilho" foi levado ao cinema num filme que concorreu ao Oscar, e pouco mais do que isso.

Também por esse motivo li com grande interesse "Roupas Sujas", mais recente novela de Leonardo Brasiliense, lançado no final no ano passado pela Companhia das Letras. Brasiliense tem uma história curiosa na literatura: começou lançando coletâneas de contos — muito boas, por sinal —, mas me confessou certa vez que não era leitor de contos. Como assim? Um excelente contista na pele de um autor que não costuma ler seu gênero? Mas logo entendi que sua preocupação maior com a concisão e a contenção o levava naturalmente a narrativas mais breves, contos ou novelas, não a romances caudalosos. "Roupas Sujas" é sua obra de ficção mais longa até agora, mesmo assim tem pouco mais de 170 páginas para contar a saga de uma família de colonos italianos na Serra Gaúcha ambientada nos anos 70 do século passado.

Na condição eu próprio de descendente de colonos italianos oriundos da Serra Gaúcha, fui convidado por Brasiliense a entrar num mundo a um tempo familiar e totalmente novo, parte porque minha experiência com as lidas da colônia vem de relatos e de hábitos que testemunhei em familiares próximos, mas não vivi diretamente, parte porque o autor conta uma história de feições universais, e nesse aspecto reside sua originalidade: nos confins do Rio Grande ou na Itália ancestral, os desejos e as frustrações são exatamente os mesmos.

Numa família de sete irmãos, Pedro é o caçula e seu nascimento provoca a morte da mãe. Antes dele, Antônio é o filho mais jovem e que mais sofre com a tragédia familiar. Os gêmeos Estevam e Ferrucio ajudam o pai na roça; têm uma diferença importante que não vou aqui adiantar mas que seria suficiente, inclusive, para sustentar todo o conflito da trama; Maria Francesca e Geni são as mais velhas e têm também seus problemas, dentre eles um bastante comezinho: Maria Francesca vai casar antes da primogênita Geni, o que significa humilhação numa sociedade ditada por essas convenções que já eram anacrônicas em plena década de 1970. De pano de fundo, obviamente, a situação política do Brasil nos anos de chumbo, e pronto, eis os ingredientes de uma movimentada e bem engendrada história.

 

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